REVISÃO DE CENÁRIO
Janeiro de 2024
Ciclo de corte de juros nos países desenvolvidos segue sendo o tema de 2024
O ano de 2023 pode ser caracterizado, globalmente, como o de retomada do controle da inflação pelos principais bancos centrais. As taxas de inflação estão de volta à vizinhança das metas, ainda que persista o desafio de um retorno pleno aos objetivos perseguidos. A situação emergencial, portanto, passou e os bancos centrais indicam o desejo de remover o aperto extraordinário realizado, trazendo suas taxas de juros para níveis menos restritivos.
Nos EUA, a inflação medida pelo CPI encerrou o ano passado em 3,4%, depois de altas de 7,0% e 6,5% em 2021 e 2022, respectivamente. Nos últimos meses, o patamar da inflação (cheia e dos núcleos) também está ligeiramente acima de 3%, ne medida pelo CPI. Como referências de comparação, a inflação média antes da crise de 2008 foi próxima de 2,8%, enquanto no período posterior à grande crise global observamos uma taxa de 1,8%. O Fed tem como guia para sua meta de inflação o índice PCE (deflator do consumo das famílias), que possui metodologia e pesos com algumas diferenças em relação ao CPI. Na medida pelo PCE, a inflação dos últimos meses é ainda mais baixa, ao redor de 2%. A discrepância entre o CPI e o PCE está um pouco acima do usual, o que sugere que se deveria considerar a convergência do PCE à meta do Fed com cautela. Quando adicionamos o comportamento da inflação de salários, a inflação “verdadeira” parece ainda estar acima da meta. Assim, houve importante progresso no processo de desinflação nos EUA, mas ainda não há um retorno integral para a meta. Em conjunto com uma desaceleração gradual do mercado de trabalho, como apontando pelos últimos indicadores de emprego, avaliamos que o Fed tenderá a ser mais cauteloso com o início da queda de juros. Por esse motivo, projetamos o primeiro corte dos fed funds em junho.
Na Área do Euro, o processo de desinflação foi igualmente substancial. A inflação ao consumidor encerrou 2023 em 2,9%, em comparação com os valores de 5,0% e 9,2% observados em 2021 e 2022, respectivamente. Nos últimos meses, a inflação, considerando a métrica de três meses anualizada, tem se situado abaixo da meta do Banco Central Europeu de 2%. Como temos ressaltado nos últimos meses, a desaceleração da atividade foi maior na região, com estagnação do PIB nos últimos trimestres. Avaliamos que o início do ciclo de redução de juros na região ocorrerá em abril, o que marcaria o primeiro banco central desenvolvido de maior relevância a realizar uma inflexão na política monetária.
De forma geral, mesmo com a expectativa de início de um processo global sincronizado de afrouxamento da política monetária nos próximos meses, avaliamos que a desaceleração da atividade seguirá em curso. Há dois principais motivos para essa expectativa: os efeitos defasados do aperto monetário passado e o fato que, para a maior parte das regiões, seguiremos com uma posição de política monetária ainda restritiva. Adicionalmente, a economia chinesa deverá apresentar moderada desaceleração, refletindo estímulos de política econômica insuficientes para reverter a retração do setor imobiliário.
Devemos também notar que o ambiente global segue cercado por riscos importantes. Um desses riscos é o fenômeno climático do El Niño, que tem se mostrado moderado até o momento, mas que merece ainda monitoramento. Os conflitos geopolíticos também seguem sem perspectiva de resolução, inclusive com deterioração nas últimas semanas e riscos crescentes no Oriente Médio. As relações entre EUA e China têm exibido algum sinal de estabilização, mas os movimentos de relocalização de empresas e a aversão ao risco geopolítico continuam condicionando as decisões empresariais de investimento direto e a alocação de portfolios. Neste ano, a eleição nos EUA também será um tema bastante relevante. Os EUA enfrentam uma política fiscal insustentável, que deveria ser corrigida a partir de 2025. Além disso, a postura do próximo governo em relação aos temas geopolíticos poderá ser uma fonte adicional de incerteza para o ambiente internacional.
Continuidade do afrouxamento da política monetária no Brasil
O processo de normalização da inflação também foi consolidado no quadro doméstico. O IPCA encerrou o ano em 4,6%, queda relevante em relação aos patamares dos dois últimos anos (10,1% em 2021 e 5,8% em 2022, ano no qual houve impacto favorável da redução de tributos). A média dos núcleos de inflação confirma o movimento de queda, registrando 4,3% no ano passado em relação a 9,1% em 2022. Nos últimos meses, os núcleos têm registrados taxas em termos anualizados entre 3,0% e 3,5%. Nossa projeção para o ano corrente é de 4%, cenário que considera um aumento da inflação de alimentos, continuidade de baixa inflação em bens e queda adicional da inflação de serviços.
Um ponto de atenção importante para o quadro doméstico, nesse início de ano, é a perspectiva para a safra de grãos. As condições climáticas têm sido piores que na safra anterior, reflexo do fenômeno El Niño que provoca chuvas irregulares nas principais regiões produtoras. O levantamento mais recente da Conab aponta queda de cerca de 4% da produção de grãos, mas essa ainda parece ser uma projeção otimista. Com o início da colheita de soja, nas próximas semanas, as informações sobre a intensidade da queda de produtividade da safra ficarão mais claras. De todo modo, avaliamos que o impacto será moderado e que o risco de um choque mais significativo tem se reduzido nas últimas semanas.
Para a política monetária, a perspectiva de início de um ciclo de queda de juros pelo Fed em junho removeu uma potencial restrição para a trajetória da taxa Selic. Com isso, passamos a projetar um ciclo contínuo de redução da taxa de juros, ao invés de um ciclo em duas etapas. Para a taxa terminal, mantivemos a expectativa de redução para 8,50%. O Banco Central tem mantido a sinalização de passos de 50 pb, ritmo que resultaria em encerramento do ciclo de afrouxamento em novembro. Ao final do ano, a nova composição dos membros do Banco Central também deverá ser um tema de interesse para os mercados.
Em relação à política fiscal, avaliamos que haverá dois temas mais relevantes. A possibilidade de revisão da meta de resultado primário para 2024 e anos seguintes seguirá presente. O resultado primário seguirá no terreno deficitário no horizonte previsível. Mais importante, avaliamos que será um desafio relevante para a política fiscal tornar compatíveis as regras de reajuste das despesas da Previdência e de outros itens importantes do orçamento com o limite de gastos em 2025. Essa dificuldade de compatibilização das regras fiscais atuais poderá surgir em agosto, quando será enviado o orçamento do Governo Federal ao Congresso. De todo modo, a política fiscal tenderá a trazer menos novidades ao longo deste ano, tendo em vista a definição das novas regras fiscais e a aprovação de um conjunto amplo de medidas do lado da arrecadação ao longo de 2023. Eventuais projetos de mudanças nas regras do imposto de renda pessoa jurídica e pessoa física podem ser debatidos ao longo do ano, mas não há clareza sobre essa agenda.
Assim como observado em outros países, a desaceleração da atividade tem sido caracterizada por um “pouso suave”. O mercado de trabalho também se mantido relativamente firme, com manutenção da taxa de desemprego em patamar significativamente abaixo do nível observado em 2019 e expansão do emprego e dos salários reais na margem. A nosso ver, a desaceleração gradual da atividade deverá prosseguir no primeiro semestre. Vale notar que a forte expansão do setor agropecuário observado no ano passado não será repetida. Setorialmente, o crescimento da produção de petróleo deverá ser um destaque favorável, enquanto a indústria de transformação deverá permanecer relativamente estagnada.