PERSPECTIVA MACRO
Novembro de 2024
BRASIL: A economia doméstica segue com desafios presentes
MUNDO: Retorno da economia global para o “equilíbrio” sob dúvida
De forma simplificada, poderíamos caracterizar as expectativas dos mercados para 2025 como um retorno da economia global para uma posição de equilíbrio. A inflação convergiria gradualmente em direção às metas, o crescimento ficaria em torno do potencial e as taxas de juros encerrariam o ano próximas do patamar neutro. Os indicadores econômicos mais recentes não são incompatíveis com essa visão, como descreveremos a seguir. Contudo, potenciais mudanças relevantes na política econômica dos EUA com um eventual novo governo colocam em xeque essa trajetória.
O quadro eleitoral às vésperas da votação norte-americana apresenta dose razoável de incerteza, mas aponta para favoritismo do candidato Republicano. Será necessário acompanhar os resultados ao longo da semana e a definição do vencedor poderá levar alguns dias após o fechamento das urnas. Também será relevante a configuração do Congresso, especialmente na Câmara (a expectativa é de maioria Republicana no Senado). A economia global poderá ser impactada através de quatro dimensões mais importantes com um novo governo: (1) política sobre tarifas comerciais; (2) alterações nas regras de imigração; (3) política fiscal interna norte-americana; (4) eventual mudança de postura em relação a conflitos geopolíticos.
Naturalmente, devemos considerar com cautela o posicionamento revelado pelas candidaturas ao longo das eleições. A experiência de diversos países nos mostra que, em geral, há maior gradualismo na implementação de novas políticas quando os governos tomam posse do que apontariam as indicações ao longo de campanhas eleitorais. De todo modo, é quase certo que haverá algum grau de elevação de tarifas sobre importações dos EUA, sendo a maior disputa com a China, assim como tem ocorrido nos últimos anos. A efetivação de tarifas sobre outros países é mais incerta. Elevações de tarifas tendem a ter como resposta retaliações comerciais. O resultado potencial é uma redução do comércio internacional e, como consequência, um desempenho pior do PIB global em 2025. Como temos observado nas últimas semanas, a política de tarifas também pode ter impactos relevantes na direção de fortalecimento do dólar frente às demais moedas.
Duas outras dimensões de alterações de políticas, a imigração e a política fiscal, teriam efeitos indiretos sobre a economia global, principalmente podendo afetar a trajetória para a taxa de juros norte-americana e o comportamento do dólar. A redução de fluxos de imigração, de fato, já tem ocorrido ao longo de 2024. Uma redução adicional de fluxos poderia tornar o mercado de trabalho mais apertado do que seria a trajetória adiante. Na política fiscal, o debate ao longo de 2025 deverá se concentrar na renovação de regras em vigor que reduzem impostos. Tendo em vista o ponto de partida do déficit nominal dos EUA, não se espera a adoção de estímulos adicionais significativos. Assim, a eleição poderá trazer mudanças de políticas internas que adicionam incerteza para a condução da política monetária, na direção de possivelmente requerer maior cautela por parte do Fed.
Por último, a postura dos EUA em relação aos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio também será fonte de debates adiante. Há muitos impasses em ambos os conflitos e capacidade limitada de influência norte-americana. O consenso atual aponta para um excesso de oferta de petróleo ao longo do próximo ano, assim como em outros mercados de commodities. Assim, poderemos ter uma contaminação limitada desses mercados mesmo frente à incerteza geopolítica que deverá persistir.
Com relação à evolução dos últimos indicadores da economia dos EUA, o quadro geral ainda é de resiliência da atividade econômica, ainda que siga válida a expectativa de gradual desaceleração. A estimativa preliminar do PIB do 3º trimestre apontou para expansão anualizada de 2,8% em relação ao trimestre anterior, com firme expansão do consumo. De outro lado, o mercado de trabalho tem apresentado redução do número de vagas abertas e desaceleração da geração de empregos (ainda que o dado de outubro tenha sido bastante distorcido por eventos climáticos e uma greve em uma grande empresa). Com a inflação em gradual desaceleração, avaliamos que o Fed deverá confirmar as expectativas de mais um corte de juros, de 25 pb, na reunião do início de novembro. Em 2025, a maior resiliência da atividade poderá levar o Fed a adotar uma postura mais cautelosa, eventualmente realizando cortes de juros em reuniões alternadas.
Por fim, em relação a outras economias, o movimento de redução de juros segue em curso. De uma amostra de 53 bancos centrais, 26 realizaram cortes de juros nos últimos três meses. Além do Fed, outras regiões importantes como Área do Euro e Reino Unido estão em meio a esse processo. Entre os emergentes, destaca-se o México, que, mesmo frente à depreciação da moeda, reformas desfavoráveis para o ambiente de negócios e incerteza em relação ao novo governo, tem prosseguido no ciclo de afrouxamento monetário. A taxa de juros deverá voltar a ser reduzida na reunião de meados de novembro (até o momento, a taxa básica de juros foi reduzida em 75 pb, de 11,25% no início do ciclo para 10,50% atuais).
A expectativa para a economia brasileira tem fugido ao padrão global de retorno ao “equilíbrio”. O principal desafio que se apresenta pode ser resumido pela necessidade de redução de estímulos fiscais e parafiscais e arrefecimento do forte ritmo de expansão da demanda interna, o que permitiria que o ciclo de aperto monetário fosse limitado. Com uma dívida em relação ao PIB elevada, é evidente a importância de coordenação das políticas de forma a não sobrecarregar ainda mais a política monetária, que já se encontra em posição apertada.
No entanto, no período recente, três outros desafios, em menor magnitude, também se evidenciaram: (1) um ambiente internacional menos favorável, com fortalecimento do dólar frente às principais moedas e elevação da curva de juros norte-americana; (2) aumento do déficit em conta corrente, que coloca em risco a posição confortável externa que existia até o ano passado; (3) um choque inflacionário de alimentos, em particular na cadeia de proteínas.
Na política fiscal, houve sinais ambíguos no período recente, mas o foco estará na agenda de revisão das regras de despesas obrigatórias. De um lado, houve anúncios no sentido de estabelecimento de novos estímulos, como a provável alteração do imposto de renda de pessoas físicas em 2025 (isenção para renda de até R$ 5.000, com medidas compensatórias) e expansão de programas de crédito oficiais. Mais importante, a nosso ver, será o desfecho das discussões em curso sobre revisão de itens da despesa obrigatória do Governo Federal. A revisão de regras não irá alterar o cenário base atual para a trajetória da despesa total, tendo em vista a regra geral de limitação do crescimento em 2,5% ao ano em termos reais. Contudo, a revisão de regras é importante para tornar viável o cumprimento desse limite e reduzir os riscos de revisão do Arcabouço Fiscal nos próximos anos (quer seja através de alteração do limite propriamente dito ou por meio da excepcionalização de despesas do limite). Avaliamos que alterações relevantes de regras para algumas despesas obrigatórias deverão avançar.
Como discutimos, a evolução do ambiente internacional foi desfavorável para os países emergentes, resultando em fortalecimento do dólar e abertura da curva de juros nos EUA. Os dois movimentos contribuíram, em conjunto com os fatores locais, para nova depreciação do real, que se aproximou do patamar de R$ 5,90. O elevado diferencial de juros a favor da moeda brasileira tem resultado em aumento do ingresso de investimento estrangeiro em ativos de renda fixa no mercado doméstico.
Em paralelo, entretanto, tem sido observada uma deterioração do déficit em conta corrente. O movimento é resultado da expansão das importações de bens e aumento das despesas com serviços. O déficit em conta corrente passou de pouco menos de US$ 22 bilhões em 2023 para US$ 45 bilhões no acumulado de 12 meses até setembro de 2024. A esse valor, devemos ainda adicionar parte relevante dos US$ 16,5 bilhões de saída líquida em criptoativos não contabilizados na estatística e que na verdade representam saídas em itens da conta corrente (especialmente os fluxos por meio de stablecoins). Assim, o quadro do balanço de pagamentos já não se apresenta tão confortável e é possível que o déficit em conta corrente medido de forma mais adequada se aproxime do ingresso de investimento direto no país (que registra cerca de US$ 70 bilhões em 12 meses). Naturalmente, essa trajetória da conta corrente é desfavorável para o comportamento da taxa de câmbio.
Por último, nossa projeção para a inflação nos próximos meses foi elevada de forma significativa, especialmente por conta da maior pressão em preços de alimentos. A cadeia de proteínas deverá registrar aumentos de preços significativos no varejo, tendo em vista o aumento dos preços ao produtor. Após dois anos de queda expressiva, especialmente na cadeia de bovinos, o ciclo sofreu inversão e houve substancial elevação dos preços da arroba do boi (superior a 35% nos últimos meses). De outro lado, os riscos para as safras de grãos (a serem colhidas em 2025) apresentaram redução em outubro. Período que marca a virada da estação seca para a de chuvas, as últimas semanas apresentaram precipitações dentro ou acima do normal na maior parte das regiões produtoras. Isso também aponta para redução do risco hidrológico em relação à energia elétrica. De todo modo, as pressões para o curto prazo indicam que o IPCA poderá ultrapassar o teto da banda de inflação no fechamento do ano. A política monetária não reage a choques de alimentos, evidentemente, mas os efeitos secundários contaminarão um contexto no qual já se observa gradual elevação dos núcleos de inflação. Ademais, como os últimos indicadores evidenciam, o aquecimento ainda presente do mercado de trabalho representa potencial pressão adicional adiante sobre os núcleos de inflação.
Com isso, ajustamos nossas expectativas para a política monetária. A inflação mais elevada em 2024, a resiliência da atividade doméstica e a perspectiva de uma trajetória para a taxa de câmbio mais depreciada nos levaram a revisar a expectativa para a taxa Selic no encerramento do ciclo de ajuste para 12,50%, com passos de 50 pb nas próximas reuniões