PERSPECTIVA MACRO
Julho de 2024
BRASIL: Moderação da economia norte-americana continuou favorecendo o ambiente global
MUNDO: Selic deve ficar estável por um período prolongado
O processo de inversão global do ciclo de política monetária avançou em junho, com o marco do início dos cortes de juros pelo Banco Central Europeu. Após cerca de nove meses de manutenção da taxa de juros em 4,00%, o Governing Council seguiu a sinalização anterior e iniciou o ciclo de ajuste da política monetária com uma redução de 25 pb. Podemos dizer que foi uma decisão de certa forma com baixo grau de convicção, dado que o BCE reconheceu que ainda existem riscos no cenário e procurou evitar estabelecer compromisso com uma trajetória futura pré-definida para a taxa de juros. No entanto, a indicação é de reduções em reuniões alternadas, o que levaria a taxa de juros para 3,25% ao final de 2024. A leitura sobre a reação do euro ao corte de juros foi bastante modesta, com as turbulências políticas na região pesando mais para o movimento de depreciação (em especial, o anúncio de novas eleições na França).
A evolução dos indicadores da economia norte-americana também foi relativamente favorável para o ambiente global, resultando em fechamento da curva de juros das treasuries (-20 pb na curva de 2 anos) e nova valorização das ações (S&P com elevação de 4,5%). Apesar de dados robustos de criação de emprego referentes a maio, há sinais de redução do número de vagas abertas e outros indicadores de moderação da intenção de contratação. Também houve moderação das vendas no varejo e, de forma mais ampla, do consumo das famílias. O consumo real das famílias, incluindo bens e serviços, cresceu a taxas anualizadas acima de 3% ao longo do 2º semestre de 2023, arrefecendo para perto de 1,5% no ano até maio. Ainda que sejam bastante voláteis, também houve moderação no setor de construção nos últimos meses. Dessa forma, é possível apontar para um aparente efeito mais perceptível do aperto monetário sobre a atividade econômica. Devemos sempre ter cautela nessa análise, uma vez que há natural volatilidade desses dados. Contudo, parece estar em processo um esgotamento dos impulsos fiscais anteriores, que afetaram tanto o consumo das famílias e o investimento privado quanto o consumo e investimento do setor público.
A reunião do Fed de junho também marcou uma mudança de postura da autoridade monetária. Ao contrário da estratégia anterior de comunicar de forma mais explícita e antecipada as intenções do banco central para as decisões futuras sobre a taxa de juros, a nova estratégia aponta para uma postura de aguardar os dados consolidarem um cenário seguro para que se possa tomar uma decisão. A nosso ver, essa estratégia é favorável tanto para produzir efeitos reais sobre a economia (ao manter condições financeiras mais apertadas), quanto evita introduzir volatilidade adicional nos preços dos ativos por conta de alterações abruptas na sinalização do Fed. Prospectivamente, mantivemos a expectativa de início do corte de juros para a reunião de dezembro. Por fim, as eleições nos EUA começam a ganhar maior importância do ponto de vista de seus impactos para os preços de ativos. Consultorias políticas especializadas indicam vantagem do candidato Republicano, com possibilidade também de maioria na Câmara e no Senado. As discussões sobre eventuais implicações para a política econômica deverão ganhar importância ao longo dos próximos meses.
Em relação aos países emergentes, um destaque recente foram as eleições no México. A atual coalizão de governo conseguiu formar uma maioria constitucional, o que levou a uma queda dos preços dos ativos do país. Isso ocorreu principalmente devido à expectativa de que as reformas institucionais, especialmente no judiciário, e a criação de despesas permanentes possam levar a um cenário menos favorável no médio prazo. O peso apresentou depreciação relevante de cerca de 10% no pior momento, com alguma apreciação posterior. A nosso ver, parte do movimento decorre não apenas da novidade trazida pela maioria constitucional, mas também pelo fato de os investidores terem passado a atribuir maior importância a problemas já existentes (como a situação de insolvência da PEMEX, a empresa estatal de petróleo, e a deterioração fiscal recente). Nesse contexto, o Banxico, banco central do país, manteve a taxa de juros em 11,00%, ao contrário da sinalização da reunião anterior. Contudo, o viés para a política monetária segue sendo de afrouxamento nos próximos meses, à medida que a incerteza sobre o novo governo se dissipar e, claro, que dependerá da estabilização do câmbio, da moderação do crescimento e do recuo da inflação (que permanece acima de 4,0%, frente à meta de 3,0%).
Em direção oposta ao ambiente internacional, o cenário doméstico apresentou movimento desfavorável. Evidentemente, o principal deslocamento de preços de ativos foi registrado na taxa de câmbio, que apresentou depreciação de 6,5% e acumulou elevação de mais de 15% no ano. O reflexo sobre a taxa de juros também foi sentido de forma relevante, com movimento de abertura das taxas de juros entre 60 e 70 pb no mês. No momento, a curva de juros considera que o Banco Central elevará a taxa de juros para níveis próximos de 11,00% ao final de 2024 e 12,00% ao final de 2025, já considerando algum desconto de prêmio de risco para esse cálculo (a curva propriamente dita apreça 11,25% e 12,50%, respectivamente). O chamado “risco Brasil”, spread dos títulos soberanos em relação à taxa de juros das treasuries norte-americanas, apresentou elevação mais moderada, passando de pouco acima de 140 pontos para 170 pontos, patamar ainda abaixo do início do ano passado. Os índices de ações exibiram certa estabilidade, com alguns setores beneficiados pela depreciação da taxa de câmbio.
Ainda que seja possível que algum contágio de movimentos de moedas observados em outros países, especialmente da América Latina, tenha contribuído para a depreciação do real, fatores domésticos parecem ter prevalecido. Em particular, um tema que temos destacado nos últimos meses dominou as preocupações: a tensão entre o limite de despesas e a trajetória de gastos que existirá no Orçamento de 2025. Como temos salientado, as regras fiscais atuais trazem desafios importantes. De um lado, o Novo Arcabouço Fiscal estabelece um limite de 2,5% (sob certas condições) para o avanço real dos gastos. De outro, no ritmo atual, as despesas devem subir acima desse limite. Tem havido elevação da quantidade de benefícios da Previdência e do programa Benefício de Prestação Continuada em ritmo bastante superior ao observado nos últimos anos, por exemplo. Existem pressões também em despesas com a folha de servidores e aumento das despesas discricionárias.
Assim, sem medidas de alteração de regras ou medidas para alterar a trajetória de algumas despesas, será um desafio conciliar as despesas previstas com o limite de gastos quando o Orçamento de 2025 for elaborado. Nossa avaliação é que essa discussão ocorreria em agosto, mas alguns eventos anteciparam tais debates e provocaram o aumento da preocupação dos mercados com uma eventual alteração das regras fiscais. A nosso ver, ainda existem medidas que podem evitar a alteração do limite de despesas. No cenário alternativo, no qual haveria mudança do limite de despesas, avaliamos que o mais provável seria um deslocamento para cima do limite, sem que haja alteração da regra para a taxa de crescimento das despesas nos anos seguintes.
Na política monetária, o Banco Central concluiu o atual ciclo de ajuste da política monetária, mantendo a taxa Selic em 10,50% em sua última reunião. Avaliamos que será um período relativamente prolongado de estabilidade da taxa de juros. As simulações apresentadas no Relatório de Inflação Trimestral apontam para a manutenção do atual patamar até meados de 2025. Contudo, o Banco Central tem evitado prover um guidance para a condução da política monetária. A queda de juros pelo Fed no final do ano poderia abrir espaço para alguma redução da taxa de juros ao longo do próximo ano. Contudo, isso dependerá de alguns fatores. Em especial: (1) do desfecho sobre as regras fiscais, isto é, se as regras atuais serão mantidas; (2) de uma desaceleração do PIB no 2º semestre; (3) da reversão, pelo menos parcial, da depreciação da taxa de câmbio. De outro lado, avaliamos que a posição atual da política monetária, em nível bastante restritivo, reduz os riscos de necessidade de elevação da taxa de juros em cenários mais negativos para a política fiscal e para a taxa de câmbio. Os mercados seguirão, contudo, atentos a essa possibilidade até a redução da incerteza sobre o Orçamento de 2025.
Em relação à inflação corrente, o comportamento segue benigno. Os núcleos estão ao redor de 3,5% (de acordo com o IPCA-15 de junho), com níveis baixos da inflação de bens e certa resiliência da inflação de serviços. Os últimos meses foram marcados também por uma inflação de alimentos pressionada, que tende a arrefecer no segundo semestre. Vale notar também que os impactos das inundações do Rio Grande do Sul sobre a inflação têm sido mais moderados do que se poderia supor.
Em relação à atividade econômica, os últimos indicadores ainda sugerem um desempenho favorável. Houve desaceleração da geração de emprego formal medido pelo Caged em maio, mas ainda é cedo para tirar uma conclusão com apenas um mês de inflexão. A PNAD seguiu mostrando um quadro de robustez do mercado de trabalho, com expansão da ocupação em ritmo superior a 200 mil por mês. A elevação de rendimentos nominais também apresentou tendência favorável. Em geral, podemos dizer que o conjunto das informações de atividade tendeu a manter o viés de alta para nossas projeções para o PIB do ano.
Olhando para os próximos eventos de curto prazo, os temas relacionados à política fiscal seguirão predominando. A decisão sobre o bloqueio de despesas quando da divulgação do relatório bimestral de receitas e despesas do governo (em 22/julho) será um foco importante.