Nossa Visão – 27/04/2020
Retrospectiva
Em semana carregada de volatilidade, os mercados de riscos mantiveram o viés de perdas diante da escalada do contágio pelo “coronavírus” mundo afora, da pressão pelo afrouxamento do distanciamento social e pela reabertura do comércio, e dos números divulgados que confirmam o tamanho da recessão que virá pela frente.
Os números mais recentes do contágio pelo “coronavírus” indicam a infecção de mais de 3,0 bilhões de pessoas no mundo, que levaram a mais de 208 mil óbitos. Os números indicam um crescimento de 25% no número de contágios e de 26% no número de óbitos em uma semana, uma redução significativa no avanço em relação aos dados de sete dias atrás.
Com o preço do petróleo desmoronando, diante dos estoques para armazenamento do óleo saturados, o mercado aguarda uma posição da OPEP para mais cortes na produção além dos 9,7 milhões de barris diários a partir de 01 de maio. Enquanto isso, diversos produtores nos EUA vem encontrando dificuldades em manter seus compromissos, a ponto do presidente Donald Trump sinalizar com um plano para injetar dinheiro no setor e ajudá-los a sobreviver.
Na semana, diversos países tiveram dados divulgados sobre a saúde econômica, já sentindo os efeitos da queda da produção e demanda por produtos e serviços.
Nos EUA, foi divulgado pela IHS Markit o índice de gerente de compras (PMI, na sigla em inglês) composto, que engloba os setores industrial e de serviços, que registrou 27,4 pontos em abril, ante 40,9 pontos em março, o menor desde que a pesquisa começou a ser feita, em março de 2009. A queda foi puxada pelo PMI de serviços, que recuou para 27,0 pontos em abril, ante 39,8 pontos em março, especialmente para empresas voltadas ao consumidor nas áreas de recreação e viagens.
Na região do euro a queda foi mais acentuada. O PMI composto recuou para a mínima histórica de 13,5 pontos em abril, ante 29,7 pontos em março. Apenas o PMI de serviços do bloco recuou de 26,4 pontos para a também mínima recorde de 11,7 pontos no período.
Para os mercados de ações internacionais, a semana foi de quedas diante dos números que mostram o tamanho do estrago que a economia global registrará neste ano. Enquanto o Dax, índice da bolsa alemã, recuou -2,73%, o FTSE-100, da bolsa inglesa, desvalorizou -0,60%, o índice S&P 500, da bolsa norte-americana, caiu -1,32% e o Nikkei 225, da bolsa japonesa, despencou -3,19%.
No cenário doméstico, as questões políticas se sobrepuseram aos impactos do contágio pelo “coronavírus” na saúde pública brasileira. Não bastassem os embates entre os três poderes em Brasília e a demissão do ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta em meio ao caos da pandemia, a bola da vez foi o pedido de demissão do ministro da Justiça e Segurança Pública, e ex-juiz Federal, Sérgio Moro. O agora ex-ministro anunciou seu desligamento na sexta-feira, alegando interferências do presidente Jair Bolsonaro na pasta após a publicação da exoneração do diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo, contrariando a vontade do ex-ministro. Na sequencia, o presidente Jair Bolsonaro contestou as afirmações do ex-ministro, que por sua vez disse ter provas sobre os fatos alegados. Foi o que bastou para que o mercado de ações fechasse o pregão de sexta-feira em queda de -5,45%, chegando a recuar -9,54% no intra Day. O pico de baixa se deu pela percepção geral de que a saída do ex-ministro Sérgio Moro poderia arrastar também o ministro da Economia, Paulo Guedes, em meio ao anúncio de um plano para retomada da economia capitaneado pela Casa Civil, denominado “Pró-Brasil”, sem o aval de Guedes.
Com o resultado de sexta-feira, a bolsa brasileira acabou encerrando a semana em queda. O Ibovespa fechou a semana com desvalorização de -4,63%, aos 75.331 pontos, reduzindo a valorização mensal para 3,17%, e acentuando a desvalorização no ano para -34,86%. Com a crise institucional, o dólar comercial encerrou a sessão de sexta-feira cotado a R$ 5,668 para a venda, cotação recorde para um encerramento de pregão. Na semana, a moeda avançou 8,25% frente ao real, enquanto no ano acumula valorização de 41,25%. Já o IMA-B Total encerrou a semana com perda de -4,38%, na esteira da turbulência política que levou os preços dos contratos de DI negociados no mercado futuro a avançarem forte. No ano, o IMA-B Total acumula desvalorização de -7,66%. No acumulado de 12 meses a valorização recuou para 6,42%.
Relatório Focus
No Relatório Focus revelado hoje, os economistas que militam no mercado financeiro ajustaram novamente pra baixo a estimativa para a inflação deste ano. A projeção agora é de que o IPCA encerre o ano em 2,20%, ante 2,23% da semana passada, sétima semana consecutiva de projeção em queda. Um mês atrás a previsão para o IPCA deste ano era de 2,94%. O resultado continua distante da meta de inflação fixada pelo CMN para este ano, de 4,00%. Para 2021, o mercado financeiro manteve a estimativa da inflação em 3,40%. Quatro semanas atrás, a previsão era de que a inflação do ano que vem seria de 3,57%. Em 2021, a meta central de inflação é de 3,75% e será oficialmente cumprida se o índice oscilar de 2,25% a 5,25%.
Para a Selic, o levantamento semanal mostrou que a expectativa é de que a taxa básica de juros encerre o ano em 3,00%, mesma projeção da semana anterior e uma queda de 75 pontos base em relação à Selic atual, que é de 3,75%. Para o encerramento de 2021, a previsão para a taxa Selic foi reduzida para 4,25%, ante projeção de 4,50% da semana anterior. Há quatro semanas a estimativa era de 5,00%.
Entre os economistas que mais acertam as previsões, reunidos no chamado “top 5”, as estimativas para a taxa Selic em 2020 foram mantidas em 2,50%. Para 2021 as apostas são de que a taxa Selic encerre o ano em 3,88% na mediana das coletas.
Os efeitos da pandemia do “coronavírus” sobre a economia brasileira fizeram os economistas cortarem novamente suas projeções para o PIB em 2020, pela décima primeira semana seguida. Conforme o Relatório de Mercado Focus, a expectativa para a economia este ano passou de retração de -2,96% para queda de -3,34%. Há quatro semanas, a estimativa era de queda de -0,48%. Para 2021, o mercado financeiro alterou a previsão do PIB, de elevação de 3,10% para 3,00%. Quatro semanas atrás, estava em 2,50%. Em março, na esteira da pandemia pelo “coronavírus”, o BC atualizou, por meio do Relatório Trimestral de Inflação (RTI), sua projeção para o PIB em 2020, de alta de 1,8% para variação zero. O próprio BC, no entanto, já reconheceu que o cenário está se alterando rapidamente e que, por isso, a projeção do RTI não reflete, necessariamente, a situação atual.
O relatório mostrou alteração no cenário para a moeda norte-americana em 2020. A mediana das expectativas para o câmbio no fim do ano foi mantida em R$ 4,80, ante R$ 4,50 de um mês atrás. Para 2021, a projeção para o câmbio saltou de R$ 4,50 para R$ 4,55, ante R$ 4,30 de quatro pesquisas atrás.
Para o Investimento Estrangeiro Direto, caracterizado pelo interesse duradouro do investimento na economia, os números seguem em queda. A mediana das previsões para 2020 foram elevada para US$ 72,00, ante US$ 71,00 da semana anterior e US$ 80,00 um mês atrás. Para 2021, a expectativa foi mantida em R$ 80,00. Há quatro semanas, a estimativa era de ingressos da ordem também de US$ 81,40 bilhões.
Perspectiva
Os mercados de risco iniciam a semana recuperando parte das perdas da semana passada, devido a diversos fatores considerados positivos.
No Japão, o banco central (BoJ, na sigla em inglês) anunciou medidas de estímulo à economia local. Além de manter o juro em -0,1% ao ano, o banco anunciou que manterá o ritmo de compra de bônus do Japão, além de elevar a meta de compras de dívida corporativa e commercial paper em 20 trilhões de ienes.
Na China, o Banco do Povo (BPoC, na sigla em inglês) reduziu a taxa de juros de médio prazo de 3,15% para 2,95%, o primeiro corte desde que o instrumento foi criado, em 2018, além de injetar 56,1 bilhões de yuans em liquidez no sistema financeiro nessa modalidade de financiamento, com objetivo de estimular o repasse de empréstimo bancário a pequenas empresas e apoiar a retomada da economia, que se estima será em breve.
Na Europa, com o ritmo do contágio diminuindo, alguns países anunciam medidas de reabertura da economia para os próximos dias, como Itália e Espanha, além da Grã Bretanha.
Nos EUA, as paralisações levaram a um recorde de 26,5 milhões de norte-americanos solicitando auxílio-desemprego desde meados de março. Alguns estados também se preparam para reabertura de atividades não essenciais, o que deve elevar o nível de contágio da população.
Por aqui, destaque para o desenrolar das tensões políticas que avançaram no final de semana. O PGR, Augusto Aras, pediu ao STF abertura de inquérito para apurar eventuais crimes praticados pelo presidente Jair Bolsonaro, e/ou crime de denunciação caluniosa pelo ex-ministro Sérgio Moro.
Hoje pela manhã, o presidente Jair Bolsonaro deu demonstrações de apoio ao ministro da Economia, Paulo Guedes, reiterando que é o ministro quem manda nas questões relacionadas à economia no governo, e que nenhum plano de recuperação da economia passará sem o aval dele. Aguardemos, pois, com muita cautela. Muito mais do que julgávamos.
Segue no radar o aumento de casos de contágio pelo “coronavírus” no Brasil. Até agora, são quase 64 mil infectados e 4,3 mil óbitos, e os números seguem aumentando significativamente. O sistema de saúde está operando além da capacidade, com novos leitos de UTI sendo instalados, porém sem perspectiva de atender plenamente a demanda crescente. As taxas de isolamento social não têm sido suficientemente fortes para suavizar a curva de contágio de modo a dar fôlego ao sistema de saúde.
Na agenda da semana, destaque para a reunião do FOMC, o comitê de mercado aberto do Federal Reserve (FED, na sigla em inglês), onde se espera mais estímulos monetários, seguida de coletiva do seu presidente, Jerome Powell. Entre os indicadores, será divulgado o número de pedidos de auxílio desemprego nos EUA, que já acumula mais de 25 milhões desde o início da crise. Também serão revelados o PIB dos EUA e da zona do euro, ambos com estimativa de queda forte.
Mantemos nossa recomendação de adotar cautela nos investimentos e acompanhamento diário dos mercados e estratégias. Mantemos a sugestão para que os recursos necessários para fazer frente às despesas correntes sejam resgatados dos investimentos menos voláteis (CDI, IRF-M1, IDkA IPCA 2A). Os demais recursos mantenham-os em “quarentena” esperando um melhor momento para realocar. Tomar decisões precipitadas enseja realizar uma perda decorrente da desvalorização dos investimentos sem possibilidades de recuperar na retomada do mercado. Para aqueles que enxergam uma oportunidade de investir recursos a preços mais baratos, municie-se das informações necessárias para subsidiar a tomada da decisão.