ENFOQUE MACRO | INFORME SEMANAL E PERSPECTIVAS
BRASIL: IPCA encerrou 2022 com alta de 5,8%, consolidando o processo de desinflação
MUNDO: Nos EUA, alívio da inflação deixou em aberto o ritmo da próxima decisão do Fed
Cenário econômico e perspectivas
Temos destacado, ao longo dos últimos meses, que o principal problema cíclico da economia global é a inflação e que as evidências têm apontado que o pior ficou para trás. As informações recentes seguem reforçando essa perspectiva. Avaliamos que a discussão relevante adiante será em que medida o processo de desinflação será completo, ou seja, se a inflação retornará às metas nos principais países. Poderíamos dizer que o problema hoje é de percorrer a “última milha” na entrega da desinflação, em analogia à expressão utilizada no setor de logística. Nos EUA, o núcleo da inflação passou de um pico próximo a 7,0% (variação em 6 meses anualizada) para 4,5%. Além da desinflação de bens, também houve inflexão da inflação de serviços, que passou de um pico de 11,0% para 4,0%. Vale notar que esse ritmo de desinflação surpreende, tendo em vista que o mercado de trabalho exibiu desaquecimento bastante modesto. Em outros países também temos observado tendência de alívio da inflação, ainda que de forma heterogênea.
Para a política monetária, esse comportamento reforça nossa leitura que estamos chegando ao final do grande ciclo de aperto sincronizado. O Fed já reduziu o passo em sua reunião de dezembro e tem indicado que sua próxima decisão está em aberto para 50 pb ou 25 pb. Continuamos projetando uma taxa terminal de 5,25%. Na Europa, que está atrasada no ciclo de política monetária, a indicação é um pouco diferente, no sentido de continuidade do aperto. Os motivos são o comportamento ainda desfavorável da inflação corrente e a redução dos riscos de recessão por conta da melhora das condições de suprimento de energia (queda da demanda, em parte por conta do inverno mais ameno, e ampliação da oferta nos últimos meses).
Em conjunto com a reabertura abrupta após o fim da política de “Covid zero” e novas medidas de suporte econômico na China, o quadro da atividade global neste início de ano é de alguma melhora das projeções para o crescimento do PIB. Um risco relevante é em que medida a aceleração da atividade chinesa poderá provocar alta significativa dos preços das commodities energéticas e metálicas e colocar em risco a desinflação global. No momento, consideramos que o impacto da reabertura deverá ter efeitos moderados sobre os preços dessas commodities, mas será um importante fator a ser monitorado nos próximos meses.
No Brasil, o processo de desinflação também tem sido observado e está se consolidando. Contudo, não será linear e nossas projeções indicam que haverá certa estabilização temporária desse processo neste início de ano (os resultados do IPCA de dezembro também apontam nessa direção). De todo modo, a média anualizada de 6 meses dos núcleos da inflação passou de um pico de 12,0% para perto de 6,0% (na margem encontra-se perto de 5,0%). Nossas projeções indicam patamar entre 5,0% e 5,5% neste primeiro trimestre. Assim como no resto do mundo, o desafio será aquele da “última milha”: talvez demore tanto para trazer a inflação da faixa de 5%-6% para ao redor de 4% quanto foi o esforço necessário para realizar a desinflação de mais de 10% para os níveis atuais.
Depois da aprovação da ampliação das despesas fiscais do Tesouro Nacional no final do ano passado, as primeiras medidas compensatórias foram anunciadas nesta semana. O objetivo é, principalmente, elevar as receitas de forma a reduzir o déficit primário neste e nos próximos anos. A indicação é que a meta a ser perseguida para 2023 é de um déficit inferior a 1% do PIB. O conjunto de medidas combina ações permanentes de elevação de receita com ações com impacto extraordinário neste ano. Além disso, há indicação de que o governo definirá um limite para a despesa inferior ao novo e ampliado teto de gastos aprovado pela PEC no final de 2022 (a sinalização é de uma redução de R$ 25 bilhões). Nos próximos meses, ainda haverá definições sobre outras medidas, como o encerramento da desoneração de PIS/Cofins sobre gasolina, eventual recomposição do IPI e também sobre a política para o salário mínimo e para o reajuste de servidores públicos. De todo modo, as medidas atuais contribuem para reduzir os riscos em torno da sustentabilidade da política fiscal. Além disso, nos próximos meses haverá definição sobre a meta de resultado primário para 2024 (a lei de diretrizes orçamentárias deve ser enviada no início de abril) e sobre o novo arcabouço fiscal em substituição à atual regra do teto de gastos. As novas medidas reduziram nossa projeção para o déficit primário de 2023 de 1,7% para 1,2% do PIB.
Eventos da semana
No cenário internacional, o destaque ficou para a divulgação dos dados de inflação de dezembro nos Estados Unidos. Recuando 0,08% no último mês do ano passado, o índice de preços ao consumidor fechou 2022 com alta de 6,5%. A continuidade do processo de desinflação nos Estados Unidos, somada às perspectivas mais favoráveis vindas da reabertura da China, impulsionou principalmente os mercados de renda variável ao redor do mundo, tanto em países emergentes quanto em países desenvolvidos. No Brasil, a semana foi marcada pelas divulgações dos dados do IPCA de dezembro, de comércio e serviços, além das medidas fiscais divulgadas pelo Governo Federal. Em relação ao IPCA, o resultado surpreendeu negativamente o mercado, com alta de 0,62% no mês, ante expectativa de 0,45%. Com isso, o IPCA encerrou o ano passado com elevação de 5,79%, o que representa desaceleração significativa ante a alta de 10,1% de 2021 e o pico de 12,13% alcançado no acumulado em 12 meses em abril deste ano.
A inflação medida pelo IPCA registrou alta de 0,62% em dezembro, encerrando o ano de 2022 com variação de 5,8%. O resultado ficou acima da nossa projeção e da mediana do mercado (0,44%). A principal contribuição altista no mês ficou por conta de bens industrializados, especialmente itens de Higiene Pessoal (3,65%), sendo responsável por cerca de 13 pontos base de surpresa em relação à projeção. Por sua vez, a inflação do conjunto de serviços continua indicando tendência de queda, com variação acumulada em 12 meses chegando a 7,6% em 2022. O alívio de serviços pode ser observado de forma mais expressiva através da média móvel de três meses dessazonalizada e anualizada, que apresentou desaceleração de uma alta de 5,0% para outra de 4,1% na comparação com o mês anterior, ao passo que no auge do processo inflacionário, essa métrica chegou a 11,5%, em meados de 2022. Os núcleos de inflação, que são métricas que excluem ou suavizam a variação de preços de itens voláteis, continuam em patamar incompatível com a meta de inflação do Banco Central, mas já estão em importante processo de desinflação. A média dos cinco núcleos que o Banco Central acompanha encerrou o ano acumulando alta de 9,0%, enquanto a média móvel de três meses dessazonalizada ficou em 5,7% em dezembro, após atingir patamares próximos a 12,0% no primeiro semestre do ano.
O segundo semestre de 2022 foi marcado por um longo processo de desinflação que ainda não foi concluído. Ao mesmo tempo, as últimas leituras indicam certa estagnação nesse processo de desaceleração. Nossa expectativa para os núcleos de inflação é de estabilização nos patamares atuais durante o primeiro trimestre de 2023, voltando a recuar em direção à meta no segundo trimestre. Nossa projeção é que o IPCA encerrará 2023 com alta de 5,3%.
Em relação à atividade, as vendas no varejo restrito recuaram 0,6% na margem em novembro. Na comparação interanual, houve alta de 1,5%. Dentre os setores que compõem o varejo restrito, as únicas contribuições positivas na margem vieram de móveis e eletrodomésticos (2,2%) e artigos farmacêuticos (1,7%), provavelmente beneficiados pela Black Friday no mês. As maiores contribuições negativas vieram de combustíveis e lubrificantes (-5,4%), tecidos, vestuário e calçados (-0,8%) e_hiper e supermercados_ (-0,2%). Segundo o IBGE, esses setores foram afetados negativamente pelos maiores preços no período. O comércio ampliado, que inclui vendas de automóveis e material de construção, também registrou queda de 0,6% na margem e de 1,4% na comparação anual. Houve alta de 0,4% das vendas de
veículos na margem, em linha com o sinal dos indicadores da Fenabrave, e de 3,0% das vendas de materiais de construção, recuperando apenas parcialmente a queda do mês anterior. Com esse resultado, o volume de vendas no varejo ampliado está 1,6% abaixo do nível pré-crise. Em linhas gerais, o resultado do comércio foi aquém do esperado, com quedas disseminadas entre setores. Para as próximas leituras, a tendência é de desaceleração das vendas no varejo, refletindo tanto o processo de substituição entre o consumo de bens e serviços como o menor volume de crédito às famílias.
Por sua vez, o volume total de serviços teve estabilidade em novembro. O resultado foi superior a nossa projeção (-0,1% M/M), mas inferior à expectativa de mercado (0,2% M/M). Na comparação anual, o setor teve alta de 6,3%. Com isso, o volume total de serviços encontra-se 10,8% acima do nível pré-crise. Em termos de carrego, a média de outubro e novembro representa alta de 0,3% em relação à média do 3º trimestre de 2022. Três dos cinco grandes setores recuaram na margem. A maior contribuição negativa na margem veio de serviços de informação e comunicação (-0,7%), puxados por TI, embora o setor ainda se situe 16,0% acima do nível pré-crise. Em seguida, outros serviços, setor que contempla, dentre outros, serviços financeiros e seguros, teve queda de 2,2%. Além disso, tiveram queda de 0,8% os serviços prestados às famílias, setor que abrange alojamento e alimentação e é o único que ainda não retornou ao nível pré-crise. Contrabalançando essas quedas, os setores ligados à indústria tiveram alta no mês: transportes (0,3%) e serviços profissionais, administrativos e complementares (0,2%). Em linhas gerais, o resultado do setor em novembro veio em linha com o esperado, com destaque para a queda de serviços às famílias. Mesmo com o menor consumo de bens vis-à-vis serviços, o setor deve ser impactado pela redução do crédito disponível e pelo baixo crescimento da renda das famílias, desacelerando nas próximas leituras.
Fechando os dados de atividade, o indicador de atividade do Banco Central registrou queda de 0,6% na margem no mês. O resultado foi inferior às expectativas de queda de 0,3%. Na comparação com novembro de 2021, o indicador avançou 1,7%. O resultado refletiu a queda das vendas no varejo ampliado (-0,6%) e da produção industrial (-0,1%), mesmo estabilidade do volume de serviços (-0,6%). Em termos de carrego, a média de outubro e novembro representa queda de 1,0% em relação à média do 3º trimestre. Em linhas gerais, o desempenho do IBC-Br em novembro corrobora o processo de desaceleração da atividade econômica no 4º trimestre deste ano, fruto do ciclo de aperto monetário e do esgotamento dos incentivos à renda das famílias. Nesse sentido, as próximas leituras devem seguir indicando desaceleração da atividade.
A inflação nos EUA apresentou deflação de 0,1% em dezembro, em linha com o esperado. O núcleo da inflação, métrica que exclui a inflação com alimentos e energia e recebe mais atenção por parte das autoridades monetárias, avançou 0,3% no mês. Em termos anuais, o CPI total variou 6,4%, enquanto o núcleo do CPI teve variação de 5,7%, com alta de 7% em serviços e de 2,1% em bens. A composição do indicador mostrou uma maior pressão da inflação de aluguel, com alta de 0,8% na margem, ante média de 0,7% nos últimos três meses, liderando a alta de 0,6% em serviços. três meses de serviços anualizada foi de 1,2%, o menor patamar desde junho de 2020. Apesar das surpresas positivas com os números de inflação e salários, mantemos a expectativa de alta dos juros de 50 pb em fevereiro e de 25 p.b em março, mas reconhecemos que aumentou a probabilidade de 25 pb já na próxima reunião e de uma taxa terminal de juros menor do que 5,25%.
Por fim, na China, a despeito das perspectivas mais favoráveis para 2023 decorrentes da reabertura do país e das diversas medidas de estímulo, os resultados de dezembro ainda apontam para uma economia bastante fraca. No último mês do ano passado, as exportações e importações recuaram 9,9% e 7,5%, respectivamente, em relação ao mesmo mês do ano anterior. O destaque fica para a forte retração do comércio de bens, em especial, de eletrônicos, revertendo o ciclo pós pandemia. Nessa mesma direção, cabe mencionar a deflação do índice de preços ao produtor, com queda de 0,7% em dezembro na comparação interanual, reforçando a tendência observada na grande maioria dos país de desinflação de bens e de preços de commodities. Ao mesmo tempo, o índice de preços ao consumidor registrou alta de 1,8% em dezembro, seguindo em patamar comportado, o que mantém espaço para o alívio da política econômica, que segue focada em acelerar a economia.
Na próxima semana
A agenda doméstica de indicadores estará esvaziada e, com isso, as atenções seguirão focadas nos debates fiscais e suas implicações para o cenário de inflação e juros. Na agenda internacional, destaque para a decisão de política monetária do Banco do Japão, quando a autoridade monetária poderá dar mais um passo na remoção das medidas ultra expansionistas. Além disso, teremos os dados de atividade econômica da China, em especial o PIB do 4o trimestre do ano passado, e dos EUA referentes a dezembro (vendas do varejo, produção industrial e indicadores do mercado imobiliário). Por fim, em virtude da realização do Fórum Econômico Mundial, diversos representantes de bancos centrais farão discursos ao longo da semana.