ENFOQUE MACRO | INFORME SEMANAL E PERSPECTIVAS
BRASIL: Produção industrial recuou 0,7% na margem em setembro
MUNDO: Nos EUA, mercado de trabalho segue robusto e compatível com a avalição do Fed
Cenário econômico e perspectivas
Consideramos que a fase de ajustes de política monetária que poderíamos chamar de “emergenciais” está ficando para trás. Diversos bancos centrais de países emergentes já levaram suas taxas de juros para níveis significativamente acima do ponto neutro. Há mesmo alguns bancos centrais emergentes que concluíram o ciclo de política monetária (caso de Chile, Polônia e Brasil). A novidade parece ser um movimento nos bancos centrais desenvolvidos de redução do passo do aperto monetário. Evidentemente, o grande foco de atenções é o Fed, com sua indicação de provável redução do ritmo de elevação dos juros para 50 pb, após sucessivas altas de 75 pb. Com uma taxa de juros básica já em nível real positivo (considerando as expectativas de inflação), o banco central norte-americano parece confortável para adotar um passo mais próximo de seu padrão histórico a partir da reunião de dezembro, ainda que a incerteza sobre a taxa de juros terminal permaneça razoavelmente elevada. A nosso ver, as evidências que o processo de desinflação já teve início continuam sendo reforçadas (por exemplo, o indicador de preços para a indústria de transformação do ISM retornou ao patamar pré-crise, compatível com o fim das pressões de preços no setor). O problema remanescente está concentrado na inflação de serviços e no aquecimento ainda existente do mercado de trabalho. De fato, mesmo os indicadores do mercado de trabalho dos EUA têm exibido uma clara tendência de desaceleração: o problema parece ser mais de intensidade do que de direção. Por exemplo, a criação de vagas passou de uma média de quase 600 mil vagas no 2º semestre do ano passado para abaixo de 300 mil nos últimos meses, tendência que deverá prosseguir nos próximos meses. Contudo, o ritmo de geração de vagas continua sendo superior ao aumento da oferta de trabalho. Assim, o ciclo de aperto de política monetária nos EUA ainda está em aberto e continuará sendo o principal fator para condicionar o comportamento dos preços dos ativos. Mas a redução do ritmo de aperto pelo Fed indica que estamos mais próximos do final do ciclo. Também contribuirá para que se possa avaliar melhor os efeitos defasados dos ajustes realizados até o momento e reduzir os riscos de um aperto muito superior ao necessário.
No Brasil, com o encerramento das eleições, as atenções se voltam para as perspectivas para a política fiscal. De forma mais geral, há dois temas a serem considerados: a magnitude da elevação das despesas em 2023 em relação ao que consta do projeto preliminar do Orçamento; e as novas regras fiscais que substituirão o teto de gastos. A definição sobre o primeiro ponto deverá ocorrer no curto prazo e exigirá, como se sabe, medidas legais para compatibilizar o Orçamento com a regra do teto atual. As discussões sobre as novas regras fiscais, por sua vez, deverão ocorrer apenas no primeiro trimestre do próximo ano. O cenário base com o qual trabalhamos é que a regra do teto atual será substituída por uma combinação de metas ou uma trajetória indicativa para os gastos e para o resultado primário, que seriam reavaliadas anualmente. Tendo em vista que as projeções apontam para um provável déficit primário em torno de 1% do PIB em 2023, será importante monitorar as sinalizações sobre o plano fiscal de médio prazo nos próximos meses (as projeções contemplam elevação das despesas entre R$ 100 e R$ 140 bilhões em relação ao projeto para o Orçamento). Do ponto de vista de possíveis impactos sobre a trajetória da inflação, além da magnitude do impulso fiscal e de seu efeito sobre a demanda agregada, haverá definições relevantes para os tributos. Em particular, a continuidade da isenção do PIS-Cofins para combustíveis e eventuais alterações nas alíquotas do ICMS dos chamados bens e serviços essenciais poderão ter impactos pontuais sobre o IPCA nos próximos meses. As eventuais mudanças tributárias serão menos relevantes para as decisões de política monetária, uma vez que representam choques concentrados em produtos específicos. Para a trajetória de juros ao longo do próximo ano, serão mais decisivos os impactos da política fiscal sobre a demanda agregada e suas implicações para o comportamento da taxa de câmbio. Nosso cenário base segue contemplando o início da queda de juros em maio, em direção a 10% a.a. no final de 2023. Naturalmente, será necessário calibrar essa trajetória, caso haja alterações significativas da política fiscal em relação ao esperado neste momento.
Eventos da semana
No cenário internacional, o destaque da semana ficou para a divulgação dos dados de mercado de trabalho nos Estados Unidos. A economia americana abriu liquidamente 261 mil vagas de trabalho em outubro, acima das expectativas dos analistas, levando a uma criação média de 289 mil vagas nos últimos 3 meses. Além disso, as expectativas relacionadas ao anúncio de uma possível flexibilização das medidas restritivas ligadas ao combate a Covid-19 na China também impactaram os mercados globais. No Brasil, mercado segue atento à transição para o governo de 2023 a 2026, com foco especialmente na formação da equipe econômica e nos sinais relacionados à agenda fiscal. Além disso, os indicadores de atividade têm apontado moderação, com destaque para o recuo da produção industrial em setembro.
Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na qual a Selic foi mantida em 13,75% a.a., os membros ressaltaram as incertezas do cenário atual e discutiram a manutenção da taxa por um período suficientemente prolongado. A ata manteve a preocupação com o ambiente externo, destacando o processo de normalização das cadeias globais e a acomodação dos preços das principais commodities como fatores de moderação nas pressões inflacionárias globais em bens. Ao mesmo tempo, destacou que o baixo grau de ociosidade no mercado de trabalho em alguns países sugere que as pressões em preços de serviços podem ser mais prolongadas do que o esperado anteriormente. Além disso, o Comitê notou que a sincronia global no processo de retirada de estímulos eleva o risco de movimentos abruptos de reprecificação nos mercados, com uma sensibilidade maior aos fundamentos fiscais, impactando países desenvolvidos e inspirando maior atenção em países emergentes. Internamente, o Copom avaliou que os indicadores de atividade divulgados desde a última reunião continuam sinalizando crescimento na margem, ainda que em nível mais moderado. Por sua vez, os indicadores de inflação continuam impactados pela redução de preços administrados, em função da queda de tributos e, em menor medida, da redução de preços internacionais de combustíveis. Acerca da implementação da política monetária, o Copom avaliou que o grau de ociosidade da economia doméstica teria diminuído desde sua última atualização, elevando as projeções de inflação do Comitê em horizontes mais longos (ao refletir a revisão altista para preços livres). Ao mesmo tempo, o Copom ressaltou que o aperto monetário corrente foi bastante intenso e tempestivo, mas grande parte do efeito contracionista será observado nos próximos trimestres, devido à defasagem da política monetária. Por fim, o Comitê manteve a ênfase que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado. Apesar dessa sinalização, avaliamos que a dinâmica corrente da inflação não prescreve novos ajustes de alta para a taxa Selic, de tal forma que nosso cenário contempla estabilidade até o segundo trimestre de 2023, quando esperamos que o Banco Central inicie o ciclo de corte na taxa de juros, levando a Selic a 10,00% a.a. no final de 2023.
Em setembro, a produção industrial recuou 0,7% na margem. O resultado veio em linha com as expectativas do mercado. A queda refletiu o recuo da indústria de transformação (-1,3% na margem), que passou a se situar 0,4% abaixo do nível pré-crise. A indústria extrativa, por sua vez, teve alta de 1,8%, puxada por minério de ferro. Dentre as atividades da transformação, as maiores contribuições negativas vieram de metalurgia (-7,6%), produtos alimentícios (-2,9%) e refino de petróleo e biocombustíveis (-2,6%). Contrabalançando parcialmente esses efeitos, as maiores contribuições positivas vieram de máquinas e equipamentos (12,4%) e produtos de fumo (6,9%). Dentre as categorias de uso, todas tiveram queda. As maiores contribuições negativas vieram de bens intermediários (-1,1%), com quedas disseminadas, e bens de consumo semi e não-duráveis (-1,4%), por conta de derivados de petróleo e alimentos. Vale notar que a produção de bens de capital se situa 17% acima do nível pré-crise. A produção de insumos típicos da construção civil (ITCC) caiu 0,8% na margem, embora ainda esteja 0,7% acima do patamar pré-crise. Diferentemente do primeiro e segundo trimestres, há sinais de importante alívio nas cadeias de suprimento: o núcleo da indústria de transformação que expurga setores com problemas de oferta recuou 1,4% no mês, abaixo do dado cheio. Por sua vez, o núcleo que expurga setores afetados pelo rebalanceamento do consumo de bens e serviços teve queda de 1,1% na mesma base de comparação, sugerindo problemas de demanda nesse período. Em linhas gerais, a leitura desse mês contou com o fraco desempenho do índice de difusão para a indústria de transformação. Não há evidência de problemas de oferta, ainda que seja possível identificar queda da demanda decorrente do processo de substituição para o consumo de serviços. Por isso, mesmo com a normalização das cadeias de insumos, esperamos resultados fracos da indústria nas próximas leituras.
O setor público consolidado apresentou superávit primário de R$ 10,7 bilhões em setembro de 2022, ante superávit de R$ 12,9 bilhões em setembro de 2021. O resultado veio em linha com a nossa expectativa e a mediana do mercado. Em 12 meses, o déficit primário acumulado foi equivalente a 1,9% do PIB, enquanto o resultado nominal, que inclui o cálculo dos juros, foi deficitário em R$ 410,6 bilhões (4,4% do PIB). A dívida bruta do governo geral atingiu R$ 7,3 trilhões, equivalente a 77,1% do PIB, com redução de 0,4 p.p. na margem. Para o ano, avaliamos que o resultado primário encerrará com superávit de R$ 151 bilhões (1,3% do PIB). Para a dívida bruta projetamos 77,6% do PIB.
Nos EUA, o Fed elevou a taxa de juros básica para o intervalo entre 3,75% e 4,00% ao ano, em decisão unânime. A respeito do cenário, prevalece a leitura de inflação elevada e com pressão disseminada, refletindo choques de oferta e demanda relacionados à pandemia, alta da inflação de alimentos e energia. Sobre atividade, os membros reconheceram que os indicadores mais recentes apontaram desaceleração do consumo e da produção, embora o mercado de trabalho permaneça robusto. O comitê reafirmou que segue “fortemente comprometido” com a meta de inflação de 2% e manteve a sinalização que novos ajustes serão necessários. A novidade no comunicado ficou por conta do reconhecimento que o Fed irá avaliar em suas próximas decisões o efeito cumulativo e defasado do aperto da política monetária.
Na entrevista após a reunião, o presidente do Fed, Jerome Powell, reforçou a visão de continuidade do aperto de juros em discurso mais preocupado com o cenário de inflação. Powell ressaltou mais uma vez o seu comprometimento com o retorno da estabilidade de preços, o que demandará condições financeiras restritivas por algum tempo. Como consequência, Powell mencionou a expectativa de crescimento da economia abaixo do potencial. Nesse sentido, citou que a inflação não está em trajetória de desaceleração e que em relação às projeções de setembro, o reajuste seria altista para a taxa terminal de juros. Em linhas gerais, novamente a decisão enfatizou o combate à inflação, não abrindo qualquer margem para uma interpretação de leniência no combate à alta de preços. Em nosso cenário consideramos alta de 50 pb na reunião de dezembro, e mais duas altas de 25 pb no início de 2023, encerrando o ciclo com a taxa de juros em 5% a.a.
Os EUA registraram criação líquida de 261 mil vagas de emprego em outubro. O resultado ficou acima da expectativa do mercado de 195 mil vagas. Também houve revisão do resultado de setembro, de 263 mil para 315 mil novas vagas de trabalho. Em outubro, todos os setores criaram vagas, com destaque para a geração de 32 mil novas vagas na indústria e 35 mil vagas no setor de lazer. A taxa de desemprego avançou de 3,5% para 3,7% em outubro, sendo composta tanto pela queda no número de pessoas ocupadas, como pelo recuo no número de pessoas à procura de emprego (a taxa de participação cedeu de 62,3% para 62,2%). A respeito dos salários, houve alta de 0,4% na margem, acima da expectativa de mercado de 0,3%. Na comparação interanual, os salários desaceleraram de 5,0% para 4,7%. Ou seja, o mercado de trabalho segue resiliente, compatível com a avalição do Fed de que as condições emprego continuam robustas.
Sondagens indicam desaceleração da atividade econômica em outubro nos Estados Unidos, na Zona do Euro e na China. O índice PMI Composto da Zona do Euro, que incorpora indústria e serviços, recuou de 48,1 para 47,1 pontos entre setembro e outubro, indicando atividade em contração (nível abaixo de 50 pontos). A composição revelou queda na margem da indústria, de 48,4 para 46,4 pontos, enquanto o setor de serviços recuou de 48,8 para 48,2 pontos no mês. Nos EUA também houve queda expressiva: o índice Composto caiu de 49,5 para 48,2 pontos em outubro. O resultado refletiu a piora da confiança no setor de serviços (49,3 ante 47,8 pontos) e na indústria (50,4 ante 52,0 pontos). Por fim, na China, frustrando as expectativas, os dados oficiais apontaram para o índice industrial passando de 50,1 para 49,2 pontos, enquanto o indicador dos setores não ligados à manufatura mostrou retração mais acentuada, de 50,6 para 48,7 pontos.
Em uma perspectiva mais agregada, a sinal vindo do índice PMI global é de perda de tração da economia de forma disseminada. No agregado de países, o índice mostrou queda de 49,6 para 49,0 pontos na passagem de setembro para outubro, com recuo tanto em serviços como indústria. Analisando a abertura do indicador global, chama atenção à forte retração dos novos pedidos, em especial de exportação, ao passo que há certa resiliência no mercado de trabalho. Somado a isso, notamos melhora significativa no tempo de entrega e recomposição de estoques, em linha com a normalização em curso das cadeias produtivas. Com isso, temos importante alívio dos indicadores de custo, que reforçam a desinflação de bens observada em boa parte dos países. Por fim, apesar desse sinal mais favorável para a inflação global vindo, como as condições do mercado de trabalho ainda estão apertadas, a inflação de serviço segue elevada, sendo um desafio importante à política monetária.
Na próxima semana
Na agenda doméstica, destaque para a divulgação do IPCA de outubro (BRAM: 0,47%) na quinta-feira e dos dados de atividade do comércio (PMC) e do setor de serviços (PMS) na quarta e sexta-feira. No cenário internacional, destaque para a divulgação dos dados de inflação ao consumidor e produtor dos EUA e da China ao longo da semana.