CENÁRIO DOMÉSTICO SEGUE EVOLUINDO FAVORAVELMENTE, ENQUANTO HÁ AUMENTO DA INCERTEZA GLOBAL
Temos argumentado, desde o segundo semestre do ano passado, que o principal tema de 2020 seria a aceleração da atividade econômica interna. Essa aceleração é importante porque contribuirá para manter a percepção que há benefícios em persistir na agenda de reformas econômicas e pelo fato de que a reversão do déficit primário atual dependerá crescentemente do aumento da arrecadação nos próximos anos. A nosso ver, apesar de indicadores mistos sobre a atividade econômica no final de 2019 e do aumento da incerteza no quadro internacional, a perspectiva de intensificação do ritmo do PIB permanece consistente, especialmente em relação ao consumo e investimentos privados.
Os fatores de impulso para a atividade econômica estão presentes, com a política monetária estimulativa, crédito bancário em expansão, robustez da oferta de recursos no mercado de capitais e recuperação da confiança de empresas e consumidores após a aprovação da Reforma da Previdência. A política fiscal, tendo em vista a necessidade de ainda se reequilibrar o resultado primário do setor público, seguirá mantendo perto de zero o crescimento do consumo e investimentos do governo. As exportações também devem contribuir pouco para a expansão do PIB, com o desempenho mais favorável da cadeia do agronegócio e da produção mineral sendo compensados pelas exportações de manufaturados (prejudicadas ainda em alguma medida pelas vendas para a América Latina). Por fim, o aumento da demanda doméstica resultará em incremento das importações. O saldo é que nossas projeções apontam para uma expansão do PIB de 2,4%, enquanto a demanda doméstica deverá registrar crescimento de 2,9% no ano.
Depois dos temores de uma desaceleração mais intensa da atividade econômica em meados do ano passado, que resultou em cortes de juros pelos principais bancos centrais, havia sinais de estabilização da atividade econômica global em diversas regiões nos últimos meses. Assim, o quadro internacional apresentava-se ainda de crescimento moderado do PIB global (ao redor de 3%), mas estável. Nesse contexto, as eleições nos EUA se mostravam como o principal tema a ser monitorado.
A epidemia na China e a interrupção de parte da atividade econômica no país trouxe nova fonte de incerteza. As restrições à mobilidade de pessoas deverão perdurar até meados de fevereiro, a partir de quando gradualmente se espera retorno à normalidade nas regiões menos atingidas. Naturalmente, tais perspectivas são cercadas de incertezas. Mesmo sendo possível antever um cenário base no qual haja um movimento em “v” da atividade econômica, com queda bastante pronunciada em fevereiro e recuperação em março, haverá uma perda de produção, consumo e investimento temporária que afetará o desempenho econômico chinês nesse ano. Preliminarmente, levando-se em conta o cenário de elevada incerteza, revisamos as projeções para o PIB da China de 5,8% para 5,4%, com consequente impacto sobre o PIB global (revisto de 3,1% para 2,9%). Para as exportações brasileiras, julgamos que ainda seja cedo para quantificar os efeitos. É razoável esperar alguma redução da expectativa para o ano como um todo, mas entendemos que o retorno à normalidade pós-epidemia será mais relevante do que a perda temporária a ser registrada no curto prazo.
De outro lado, as fontes de impulso à atividade interna exibem trajetória favorável, com queda adicional da taxa Selic para 4,25% e sinais de manutenção de ritmos robustos de expansão do crédito bancário e do mercado de capitais. Em 2019, por exemplo, a expansão do crédito ampliado1 para empresas e pessoas físicas foi de 8,3% e houve ingresso de R$ 86 bilhões em fundos de investimento em ações (superior à soma dos volumes de 2017 e 2018). A sinalização do Banco Central após sua última reunião é compatível com nosso cenário de manutenção da taxa de juros em 4,25% até o final do ano, com normalização gradual da política monetária ao longo de 2021. Nossas estimativas indicam um fechamento do hiato do produto apenas no final do próximo ano, o que aponta para núcleos de inflação em trajetória de elevação bastante gradual e ainda inferiores às metas de inflação. Fatores pontuais também devem contribuir para manter a inflação cheia abaixo da meta em 2020, como a reversão de parte do choque sobre os preços de carnes e a queda dos preços de combustíveis. A inflação baixa, portanto, segue sendo um ingrediente bastante relevante do cenário econômico benigno. Ainda quanto à política monetária, existe também a possibilidade de liberação de compulsórios ao longo dos próximos trimestres, conforme indicado na Agenda BC#.
Na agenda de reformas, consideramos que há riscos mais baixos do que em 2019. Em primeiro lugar, existe um conjunto de medidas para serem avaliadas e não apenas uma reforma decisiva, como era o caso da Previdência. As propostas fiscais estão voltadas para viabilizar o respeito ao teto de gastos a partir de 2021 (nossas projeções indicam folga para o ano corrente), sendo a mais relevante a chamada PEC Emergencial. Entre as medidas voltadas para o que poderíamos chamar de “agenda da produtividade/PIB potencial”, o destaque será a Reforma Tributária e o conjunto de medidas regulatórias setoriais (como no caso do saneamento). Tais reformas terão pouca repercussão imediata sobre a trajetória do PIB, mas serão importantes para o horizonte de médio prazo.
O quadro internacional de crescimento moderado, mas estável, esperado para o ano corrente foi substituído, de certa forma, por um quadro de crescimento igualmente moderado, mas mais volátil ao longo do ano e com incertezas adicionais por conta dos eventos que afetam a economia chinesa. Os efeitos devem ser temporários e as repercussões para o Brasil limitadas, sendo necessário monitorar a situação nas próximas semanas. O ambiente doméstico, de outro lado, segue sendo benigno, com inflação baixa, espaço para manutenção de substancial estímulo monetário e aceleração do consumo e investimento privados. O tema relevante para 2020, a aceleração do PIB, permanece assim, com perspectivas favoráveis.