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PERSPECTIVA MACRO
Outubro de 2024

BRASIL:  Ciclo de elevação da Selic e sinais ambíguos na política fiscal e parafiscal

MUNDO: Início do ciclo de juros pelo Fed e estímulos na China

A evolução do ambiente internacional, em setembro, foi relativamente favorável para os países emergentes. Evidentemente, um dos principais focos recaia sobre o início do ciclo de redução de juros nos EUA. O Fed afastou o risco de ficar “atrás da curva” e promoveu um corte inicial de 50 pb, trazendo a taxa de juros para 5,00%. A decisão decorreu do aumento das preocupações sobre o ritmo de desaquecimento do mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que há continuidade do processo de gradual queda da inflação. Tendo em vista a posição inicial da taxa de juros significativamente acima do patamar neutro, o objetivo do banco central norte-americano foi remover com maior celeridade o aperto excessivo, reduzindo os riscos de uma desaceleração intensa indesejada. A indicação para as próximas reuniões, ou seja, o que poderíamos chamar de plano de voo, é de que o ritmo será de 25 pb. Igualmente importante, contudo, é a sinalização do Fed que, caso seja necessário, estará pronto para responder de forma mais tempestiva no ciclo de juros.

É interessante notar, de outro lado, que o desaquecimento do mercado de trabalho nos EUA tem ocorrido mesmo com a manutenção de uma expansão em linha ou acima do potencial do PIB nos últimos meses. Os dados preliminares apontam para expansão do PIB ao ritmo de 2,5% no 3º trimestre (em termos anualizados). Esse contexto, de crescimento da atividade ainda resiliente, é uma das razões pelas quais o Fed ainda sinaliza certa cautela e a postura de “dependência dos dados” para as próximas decisões. A leitura de emprego de setembro, ao exibir robusta geração de vagas e queda da taxa de desemprego, atenuou a discrepância entre os demais dados de atividade e aqueles referentes ao mercado de trabalho. Também no sentido de uma postura mais gradualista no ciclo de juros, as condições financeiras têm apresentado melhora nos últimos meses, com queda das taxas de juros longas e dos custos de hipotecas, bem como elevação dos preços das ações. Nosso cenário base é que o Fed realize uma sequência contínua de cortes de 25 pb até junho, quando alcançaria um nível de 3,50%, próximo à taxa de juros neutra. A volatilidade dos dados do mercado de trabalho tem introduzido um problema significativo para o diagnóstico correto da velocidade de desaceleração da atividade e deve seguir tornando ainda mais complexas as decisões de política monetária. Até recentemente, caso o plano de voo de um ritmo de 25 pb não se concretizasse, o mais provável seriam cortes de 50 pb. Os dados de emprego mais recentes, contudo, colocam a discussão dos mercados no outro lado, agora com a assimetria no sentido de possível redução em reuniões alternadas.

Ainda em relação ao ciclo de política monetária global, sinais de desaceleração adicional da atividade e da inflação na Área do Euro levaram a revisões para a expectativa sobre as próximas decisões do Banco Central Europeu. Ao invés de reduções em reuniões alternadas, o mais provável adiante é que o BCE mantenha o ciclo de forma contínua, ao passo de 25 pb. A revisão para baixo das projeções de crescimento do PIB de 2025 também nos levou a deslocar de 2,50% para 2,00% a perspectiva para a taxa de juros na região ao final do ciclo.

Um risco relevante no cenário global, que vínhamos destacando ao longo dos últimos meses, era a possibilidade de desaceleração pronunciada da economia chinesa. Esse risco sofreu redução relevante, no último mês, como resultado de um conjunto de estímulos adotados pelo governo. O pacote de estímulo inclui medidas em diversas frentes: (1) redução das taxas de juros e de alíquotas de reservas compulsórias sobre depósitos bancários; (2) redução da taxa de juros para financiamentos imobiliários já em andamento; (3) linhas de financiamento para bancos e governos locais dedicadas ao setor imobiliário; (4) linhas de financiamento para o mercado de ações; (5) redução da entrada requerida para a compra do segundo imóvel; (6) sinais de adoção de estímulos também na política fiscal propriamente dita. A reação da política econômica na China ocorre após frustrações seguidas com a atividade econômica nos últimos meses e preocupações crescentes de que a perda de confiança dos consumidores e empresas poderia resultar em um desaquecimento ainda mais pronunciado adiante. A nosso ver, as medidas são amplas o suficiente para remover os riscos desfavoráveis, ainda que não sejam capazes de resultar em uma reaceleração da atividade. A resposta do mercado acionário chinês foi bastante intensa, com alta ao redor de 25% dos principais índices de ações. A curva longa de juros, contudo, apresentou abertura bastante modesta (perto de 10 pb para a taxa de juros de 10 anos, que se encontra em 2,15%), refletindo que se acredita que haverá necessidade de estímulos monetários por um período prolongado. Também houve reflexo no mercado cambial, com apreciação do renminbi, que acumula valorização frente ao dólar de quase 4% desde o início de agosto.

Como esperado, o Banco Central iniciou um novo ciclo de aperto da política monetária em setembro. O passo inicial de 25 pb esteve acompanhado da mensagem que o Copom não deseja fornecer um forward guidance para as próximas reuniões e que acompanhará a evolução do cenário. A nosso ver, o ritmo de elevação de juros deverá migrar para 50 pb nas duas próximas reuniões, com um ciclo total de 150 pb no qual a Selic atingiria 12%. Podemos decompor os canais tradicionais de transmissão da política monetária nos seguintes componentes, em ordem de importância: (1) hiato do produto (demanda agregada), que por sua vez depende em boa medida do canal do crédito; (2) expectativas de inflação; (3) taxa de câmbio. Abaixo, discutiremos o que se pode esperar para cada um desses componentes, com o objetivo de avaliarmos o cenário base e os riscos para o ciclo em curso de aperto da política monetária.

Antes, porém, vale avaliar o ponto de partida da inflação corrente. Os últimos resultados do IPCA apontam para um quadro de desvio da inflação subjacente em relação à meta que poderíamos qualificar de moderado. A média dos núcleos de inflação, em termos dessazonalizados e anualizados, está um pouco acima de 4,0%. A inflação de serviços, mesmo com um mercado de trabalho bastante aquecido, ainda permanece em nível moderadamente acima do compatível com a meta de inflação de 3,0% (o núcleo de serviços está ao redor de 5,0% na medida anualizada). Entre os bens, houve elevação da inflação nos últimos meses. Em especial nos bens duráveis, observamos níveis correntes pressionados e acima do nível compatível (para esse grupo) com a meta de inflação. Parte dessa elevação decorre da depreciação da taxa de câmbio nos últimos meses. Os preços ao consumidor ainda não foram impactados, mas também podemos destacar um aumento da inflação de alimentos no atacado como um sinal desfavorável na inflação corrente (um destaque é a alta da arroba do boi, de 25% em relação ao patamar médio recente). De todo modo, parece apropriado caracterizar o ponto de partida da inflação corrente como moderadamente acima da meta. Isso é importante, porque significa que o ciclo de juros está reagindo antes de um problema significativo para a inflação corrente já estar consolidado, elevando as chances de sucesso e reduzindo os potenciais custos da política monetária.

Voltando aos canais de transmissão da política monetária, o mais relevante é o hiato do produto. No último Relatório de Inflação, o Banco Central ressalta diversas medidas que apontam para um aquecimento excessivo da demanda interna. Os últimos dados têm corroborado o diagnóstico de um mercado de trabalho aquecido, com taxa de desemprego próxima ao nível mínimo histórico e expansão da massa de renda nominal ao redor de 10% em termos anualizados nos últimos meses. O consumo das famílias é outra evidência de um crescimento acima do potencial, com expansão ao ritmo de 6% em termos anualizados no primeiro semestre. Olhando adiante, o aperto adicional da taxa de juros deverá resultar em desaceleração da demanda doméstica.

Em boa medida, o forte impulso fiscal do primeiro semestre explica a resiliência da demanda interna mesmo frente a uma taxa de juros que permanecia apertada. Como temos discutido, um ingrediente essencial do cenário adiante será em que medida haverá redução efetiva dos estímulos fiscais e parafiscais. O limite de expansão da despesa estabelecido pelas novas regras fiscais implica que, se respeitado, haverá redução relevante do impulso fiscal em 2025. De outro lado, é mais incerto se haverá algum tipo de despesa removida do limite geral ou se haverá ações do lado parafiscal (como expansão ou novas linhas de crédito direcionado). Por fim, em boa medida a política monetária é transmitida por meio do comportamento do crédito. Para os próximos meses, avaliamos que haverá desaceleração do crédito livre. De outro lado, é mais incerto o ritmo de desaceleração do crédito imobiliário, que tem apresentado comportamento muito mais robusto do que o compatível com o nível atual da taxa Selic.

O canal das expectativas tem sido menos eficaz no ciclo atual, mas tem funcionado em alguma medida. Tendo em vista a surpresa de alta com a atividade econômica, a depreciação da taxa de câmbio e o aumento dos riscos para os preços de alimentos e energia por conta da estiagem, a tendência teria sido de elevação das projeções de inflação. A manutenção das expectativas para 2025 próximas de 4,0% é desconfortável para um banco central que tenha iniciado um ciclo de elevação de juros, mas pode ser encarada pela outra dimensão de se ter evitado uma deterioração. Para os horizontes mais longos, as expectativas permanecem ao redor de 3,5%. Não é a posição ideal de ancoragem perfeita que talvez pudesse ser desejada, mas de forma realista, tendo em vista que a meta de inflação de 3,0% é bastante recente, é uma posição razoável. Nesse sentido, o canal das expectativas, ainda que não de forma perfeita, parece estar funcionando parcialmente.

Por último, temos o canal da taxa de câmbio. Avaliamos que a abertura do diferencial de juros do Brasil em relação ao resto do mundo (em especial em relação aos EUA) será o fator preponderante para o comportamento da taxa de câmbio. O risco fiscal e a piora do déficit em conta corrente, por conta da demanda interna aquecida e da queda de preços de commodities, são fatores na direção oposta. Em alguma medida, os fortes estímulos na China podem também contribuir para a apreciação do real nos próximos meses, à medida que podem se traduzir em elevação dos preços de commodities relevantes para nossa pauta de exportação (as exportações brasileiras destinadas à China representam, atualmente, um terço do total). Nossos modelos de fundamentos para a taxa de câmbio seguem apontando para uma maior probabilidade de apreciação em relação ao nível atual.

No conjunto, contudo, quando consideramos os principais canais de transmissão da política monetária, podemos dizer que tanto a taxa de câmbio quanto as expectativas de inflação terão papel secundário para a evolução do atual ciclo de aperto. A nosso ver, o maior foco de atenção do Banco Central estará no comportamento da atividade econômica e em que medida a política fiscal e o comportamento do crédito contribuirão no mesmo sentido da política monetária, isto é, de desaquecimento. Nosso cenário contempla um ciclo de juros, em comparação com outros ciclos dos últimos vinte anos, relativamente moderado quando se considera a elevação total (150 pb), mas intenso quando avaliamos a posição terminal de juros reais (acima de 8%). Os riscos ainda são assimétricos para cima, em especial por conta da incerteza sobre a evolução do grau de estímulo fiscal e parafiscal adiante.

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