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PERSPECTIVA MACRO
Setembro de 2024

BRASIL:  Redução de estímulos fiscais será determinante para o novo ciclo de aperto da política monetária

MUNDO: Redução de juros nos EUA e desaceleração estrutural da China

Depois da volatidade intensa dos mercados observada ao longo de julho e início de agosto, houve cerca acomodação dos preços de ativos em agosto e começo de setembro. A substancial valorização do iene e a queda da bolsa no Japão, assim como outros movimentos de preços de ativos, foram atenuados. Contudo, a perspectiva de desaceleração da economia global segue presente e continua a se refletir em níveis de volatilidade dos ativos acima do observado nos últimos anos (isto vale, por exemplo, para o índice que mede a volatilidade implícita das ações dos EUA).

Em alguma medida, estamos em um ponto de inflexão do ciclo econômico e podemos considerar como normal as dúvidas sobre a magnitude da desaceleração adiante do PIB em diversos países. O desaquecimento das economias é resultado esperado do aperto monetário para combater o grande surto inflacionário. Provavelmente, nos próximos trimestres, conviveremos com um quadro de desaceleração da atividade e taxas de juros ainda apertadas. Fases de transição de ciclo desse tipo, em geral, trazem sinais contraditórios sobre o comportamento da atividade econômica, o que irá requerer atenção por parte das autoridades monetárias. De forma mais geral, podemos esperar um crescimento da maior parte das regiões um pouco abaixo da tendência de longo prazo. A reversão do aperto da política monetária, em um cenário favorável, levaria a uma retomada da atividade no segundo semestre de 2025. O padrão “teórico” seria que as principais economias estivessem de volta ao que chamamos de “estado de equilíbrio” ao final do próximo ano, com taxas de inflação nas metas, juros no patamar neutro e crescimento equivalente ao potencial. Mas sabemos que as economias raramente se comportam com tamanha harmonia com os modelos teóricos. Portanto, nessa fase de inflexão talvez o mais prudente seja esperar sinais contraditórios das economias e um quadro de movimentos de preços de ativos mais pronunciados do que o usual.

A economia norte-americana é o principal foco, naturalmente, dessa fase de inflexão. Podemos considerar que a queda de juros foi anunciada em agosto, tendo em vista o discurso do presidente do Fed em um importante seminário (Jackson Hole). A intensidade do ritmo de corte de juros, contudo, segue indefinida por conta da incerteza sobre a velocidade de desaquecimento da atividade econômica. De um lado, os dados do PIB seguem apontando crescimento acima de 2% nos últimos trimestres, o que é válido também para as estimativas preliminares do 3º trimestre. De outro lado, o conjunto de indicadores do mercado de trabalho revela desaceleração para abaixo do potencial, com aumento da taxa de desemprego, queda da abertura de vagas e criação de emprego em patamar abaixo do necessário para absorver os novos entrantes no mercado de trabalho. Os dados do payroll de agosto mostraram que a criação de vagas no setor privado caiu do patamar de 200 mil no primeiro trimestre do ano para abaixo de 100 mil, patamar insuficiente para manter a taxa de desemprego estável. O caminho natural do Fed seria de passos de 25 pb, o que parece ser o plano de voo de acordo com os últimos discursos de membros importantes da instituição. Contudo, não descartamos um corte maior na reunião de setembro ou eventual adoção de um ritmo de 50 pb nas reuniões subsequentes. A razão é que o atual nível da taxa de juros está significativamente acima do patamar neutro e o Fed pode avaliar ser necessário um ritmo mais rápido de reversão da política monetária.

Além da perspectiva para as decisões dos principais bancos centrais, um importante movimento de queda de preços de commodities tem se destacado no quadro internacional. Nas commodities agrícolas, soja e milho registram quedas de 25% e 20% no ano, respectivamente (cotações referentes a Chicago). Os preços estão praticamente de volta ao patamar pré-pandemia, o que significa uma queda de mais de 20% em termos reais. A tendência de queda também é observada em outros produtos agrícolas. Safras favoráveis na América do Sul no início do ano e perspectivas de produção elevada na safra que está sendo colhida nos EUA explicam parte dos ajustes. Contudo, a desaceleração da atividade global parece também ser uma razão fundamental para a queda de cotações no complexo de commodities agrícolas. Em relação às commodities metálicas, os sinais são mais heterogêneos, mas também podemos observar o impacto da desaceleração global. Em particular, é claro o impacto da crise do setor imobiliário na China, além da desaceleração mais geral em outras regiões: há queda de cerca de 30% dos preços internacionais do minério de ferro e do aço em 2024. Os preços do petróleo também recuado e estão no menor patamar dos últimos três anos. A frustração com a demanda chinesa também é parte da explicação, mas é possível apontar para o desaquecimento da economia global como mais uma força comum à retração de preços observada em diversas commodities.

Em contraposição ao ciclo global de redução de juros, o debate no cenário doméstico está voltado para a intensidade e ritmo de um provável novo ciclo de aperto da política monetária. Em geral, um canal pelo qual a política monetária no resto do mundo se transmite para a economia doméstica é a taxa de câmbio. Assim, seria natural esperar por uma apreciação do real em relação ao dólar, em função da redução da taxa de juros nos EUA. É interessante notar, contudo, que nos últimos vinte anos essa relação não é tão direta assim. Primeiro porque quedas de juros pelo Fed estiveram muitas vezes associadas a crises nos EUA e/ou no restante do mundo, o que resultava em depreciação do real. Em outros episódios, o motivo de uma aparente ausência do “canal do câmbio” concentrava-se nos problemas domésticos (podemos chamar de “aumento do risco Brasil”).

No contexto atual, o fato de não estarmos observando um efeito pelo canal do câmbio não decorre de uma crise global, mas a nosso ver de dois fatores: uma desaceleração cíclica das economias desenvolvidas e estrutural da China e questões domésticas, relacionadas especialmente à política fiscal. Avaliamos que a desaceleração estrutural da China é responsável por parte relevante da queda intensa de preços de commodities observada neste ano. Para a moeda brasileira, é um vento contrário relevante, tanto pelo fato que um terço das exportações são destinadas à China, quanto pela grande participação das commodities em nossa pauta (agrícolas, petróleo e metálicas).

Identificar com alguma precisão o que está por trás do descolamento da taxa de câmbio em relação ao apontando por um amplo conjunto de modelos baseados em fundamentos econômicos também não tem produzido resultados claros (os modelos apontam que a taxa de câmbio deveria estar mais perto de R$/US$ 5,20). De um lado, o prêmio de risco dos títulos soberanos em dólar (medido pelo CDS de 5 anos, por exemplo) segue baixo (em torno de 150 pb). O aumento da inflação implícita ao longo do ano talvez reflita de forma mais adequada uma métrica de risco Brasil, uma vez que não temos um problema com a dívida externa, mas sim com a interna.

Em relação à política fiscal, tivemos uma evolução mista no período recente. De um lado, o comportamento da arrecadação segue surpreendendo para cima. Recorrendo a medidas extraordinárias e considerando uma medida polêmica em relação à forma de contabilizar o cumprimento da meta de resultado primário, o quadro aponta para um resultado primário no piso inferior da banda (déficit de 0,25% do PIB). Novas medidas de elevação de arrecadação, voltadas para 2025, também devem avançar nos próximos meses. De outro lado, a apresentação do Orçamento de 2025, como esperado, manteve em evidência os desafios para o atingimento da meta de resultado primário zero no próximo ano. O respeito ao limite de despesas é viável, mas também dependerá da execução das medidas de correção de rota em algumas despesas obrigatórias (especialmente os benefícios de auxílio-doença e BPC) e da contenção do aumento de despesas discricionárias. É natural esperar pela continuidade de incertezas sobre o atingimento das duas metas mais relevante das novas regras fiscais (resultado primário e limite de despesas) nos próximos meses.

Um importante destaque, nas últimas semanas, foram os sinais adicionais de uma expansão do PIB ainda mais resiliente. Revisamos nossa projeção para o PIB do ano para ao redor de 3%, considerando uma acomodação do crescimento no segundo semestre do ano. Os dados preliminares do 3º trimestre sugerem ainda um quadro de resiliência na margem. O debate sobre as razões pelas quais a atividade exibe expansão acelerada, a despeito do patamar atual de juros, tem apontado quase exclusivamente para os estímulos fiscais. Avaliamos que, adicionalmente, também existe um desempenho melhor do que o esperado na dinâmica do mercado de crédito. De fato, especialmente no crédito às famílias, os indicadores do Banco Central para o crédito apontam para expansão também significativa.

As leituras de inflação dos últimos meses têm exibido moderada tendência de aumento dos núcleos de inflação. A maior inflexão de tendência é notada em bens e pode ser atribuída tanto ao fim dos efeitos favoráveis de dissipação das pressões da pandemia quanto à depreciação da taxa de câmbio. De todo modo, a inflação desse grupo também reflete uma atividade mais aquecida. Fora dos núcleos, nos próximos meses teremos dois efeitos contrários: tendo em vista a queda dos preços internacionais do petróleo, é provável que ocorra alguma redução dos preços dos combustíveis no mercado interno; de outro lado, há maior pressão esperada em alimentos, em parte refletindo a demanda aquecida e, mais recentemente, também a piora das condições climáticas.

A evolução do cenário desde a última reunião do Copom trouxe um quadro mais desfavorável para a política monetária. A taxa de câmbio permaneceu em patamar depreciado, a despeito da queda da curva de juros nos EUA. O comportamento da inflação corrente, que parecia apenas levar à conclusão de que a trajetória de desinflação teria se esgotado, agora exibe sinais de moderada tendência de elevação. Do ponto de vista da atividade, também houve surpresa em relação ao cenário com o qual o Banco Central trabalhava (a estimativa no último Relatório de Inflação era de crescimento do PIB de 2,3% em 2024). A comunicação do Copom, que já apontava a possibilidade de início de um novo ciclo de aperto da taxa de juros em sua última reunião, foi reforçada pelos discursos de seus membros.

Nesse contexto, avaliamos que o Comitê decidirá pela elevação da taxa Selic em sua próxima reunião (18/setembro). Tendo em vista o nível já elevado da taxa de juros, nosso cenário contempla um ajuste total historicamente moderado, de 150 pb, mas que levaria a taxa real para perto das máximas dos ciclos anteriores (acima de 8%). A taxa Selic, assim, seria deslocada dos atuais 10,50% para 12,00% no início do próximo ano, sendo o caminho mais provável alguma redução ao longo do 2º semestre de 2025. Contudo, isso dependerá de uma efetiva redução dos estímulos fiscais e, em menor medida, de um arrefecimento da dinâmica de crédito.

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